Olá, pessoal! Não, não será uma AC (aula condensada) sobre questões psicológicas, motivacionais ou enredo para coach quântico (acho que é esse o último cargo hype - e sem sentido - que inventaram?!), pois sou apenas um engenheiro que insiste em ministrar aulas, e é exatamente dessa arena que tecerei algumas letrinhas no formato de um desabafo.
A educação, que aqui no Brasil segue capengando ano após ano em todos os níveis, e que acreditava-se ter atingido seu apogeu invertido durante a pandemia de 2019 - não foi a primeira e não será a última -, me fez soltar um melancólico grito-escrito há 2 anos em Educação de travamento, achando esse mancebo que daquele ponto não passaria. Não preciso dizer que recebi muitas críticas não construtivas da audiência e de colegas.
Mas se você acha ter dado o recado, mestre das ACs aleatórias, porque retornar ao tema? A resposta está no sentimento coletado dos corredores e da sala de aula da instituição onde atuo, Escola de Ciências e Tecnologia (UFRN), da opinião de colegas de outras instituições do RN e de fora, de que algo ainda não aconteceu.
Assim, temendo que ainda haja espaço para piorar, convido a audiência a refletir sobre os quatro estágios que identifiquei, para que possamos pensar formas de erguer as velas e trilhar na direção de um novo, e melhor, próximo estágio.
Resignação
Estágio inicial de quem não vê saída, que já acontecia bem antes da pandemia, tornou-se ainda mais intensificado por conta dela. No ensino básico e fundamental, os estudantes “saltaram” dois anos com o conhecimento que não acompanhou este salto, criando o que chamei de hiato cognitivo. No ensino médio durante a pandemia, o índice de evasão de jovens chegou a 44,9%, moçada que permaneceu também fora do mercado de trabalho, engrossando o time “nem-nem”: nem estudam, nem trabalham. E o pior de tudo isso: não vejo movimento docente sistematizado no sentido de reverter esse quadro, se não o educacional, trabalhando pelo menos o motivacional. Por isso denominei de resignação. Leiam bem: não quero apontar culpados, mas indicar quem tem o poder para resolver essa bronca. Soube de casos de professores dos ensinos básico e fundamental da rede pública do Rio Grande do Norte e do outro Rio Grande, que se mobilizaram para ministrar aula por rádio, independentemente de escola, da prefeitura, do município ou de papai Noel. Heróis? Não sei se é esse o termo, mas posso dizer que são inovadores inconformados, no sentido que descrevi em Por um conceito integrador para a Inovação. Talvez a resignação se dê por estarmos focando demais em problemas e pouco em soluções.
Anarquia
Decretada a pandemia, a expectativa de fechar tudo por pouco tempo levou a classe acadêmica (docentes e discentes) a um estado anárquico, pois entrou-se numa onda de “sem direção”, ou melhor, “sob nova direção”: a de um vírus. Não vou entrar nos melindres políticos promovidos e consequentes deste episódio, que estendeu este prazo por um bocado de tempo, mas “a galera” sentiu como se fossem férias bem-vindas, já que todo mundo estaria no mesmo barco… furado, por sinal. Deixamos tudo por conta das autoridades, esquecendo que são tão importantes ou inteligentes quanto nós mesmos, e passamos a ser alimentados pelo grande Leviatã informacional, a Internet, com suas inteiras, meias ou nenhumas verdades. Essa anarquia, que durou exatos 2 anos, pelo menos para a Educação, trouxe em seu bojo aquele sentimento virtual quando do fim da festa: uma grande ressaca! Seguimos então para o próximo estágio.
Apatia
Pouquíssimas escolas conseguiram, aos trancos, barrancos, lockdowns e blackouts, manter um estagnado e morno ensino remoto durante o período pandêmico. Diferentemente das que nem isso fizeram, quando liberadas, voltaram rapidamente ao formato presencial, porém mantiveram o apetrecho virtual em standby (vai que…), pois entenderam que um formato híbrido poderia ser vantajoso. As empresas também passaram por dilema parecido, o que não se podia aplicar a todas, como sinalizei em Micro techs: volta ao trabalho ou ao posto?, pois, de acordo com o SEBRAE no caso do Pindorama Brasilis, 99% das empresas são micro e pequenas. Em outras palavras, somos 99% micro-techs. Portanto, o trabalho remoto está remoto de nós. Mais um trocadilho sem graça…
Embora o ser humano seja gregário, as possibilidades de escolha (remoto, presencial, híbrido, alternado etc.) suscitaram comparações a ponto de perceber-se que sair direto da cama para alguma tela, sem passar por trânsito, “buzão”, poluição, assaltos, troca de roupa, estar perto dos entes e pets, assédios, a possibilidade de usar o alt+tab para trocar de tela e ir para coisas mais “produtivas” como filmes, jogos etc., tinham lá suas vantagens. A retração de 2 anos nos fez questionar nosso grau de gregariedade - precisamos sempre estar juntos mesmo? -, a ponto de ficarmos em dúvida se temos que voltar ao presencial “de fato”, pergunta que fiz recentemente a uma turma de 30 alunos, obtendo pouco mais de 50% de respostas simpáticas ao ensino remoto. Encarei isso estatisticamente como um “tanto faz”, daí o termo apatia. Não tão nem aí para o formato. Perderam o vínculo com os prédios, eu acho. O mesmo se pode pensar das empresas. Se que isso se estende também ao trabalho em grupo? Ao invés de evasão, percebi um esvaziamento da sala de aula, pois nas cadernetas virtuais constam muito mais gente.
O vai-e-vem da economia gerando baixas perspectivas de efeito imediato
Como se não bastassem esses 3 estágios percebidos no meio acadêmico, externamente as coisas também não parecem estar bem. A era pós-canvas e o índice anti-bolha trás uma reportagem relatando mais um estouro de bolha, esse da ordem de US$ 9 trilhões na Nasdaq, mostrando que o mundo das startups está sendo revisto. Se eu defendo que a melhor opção para os estudantes reside na criação dos próprios empregos e que as startups (incluam aqui pequenos negócios) são as únicas que geram novos postos de trabalho há mais de 40 anos nos EUA - aqui também não é diferente -, com que entusiasmo poderei responder a alguém quando me interpelam sobre empreendedorismo inovador e empregabilidade?
Depressão
Resignação e anarquia, recheadas com apatia, criaram um bolo com cobertura à base de depressão. E é neste estágio que acredito estar nosso mundo agora, pelo menos da perspectiva de minha minúscula e enviesada bolha. Nunca vi tantas salas esvaziadas com os presentes tão ausentes e desmotivados, contagiando, claro, os docentes. Parei para refletir sobre o que está acontecendo, e se é apenas neste meio. O que encontrei de resposta me deixou surpreso…
Elemento comum a todos os estágios
Sim, é exatamente ela, a tecnologia, a única resposta que consegui minerar, pois é o elo que liga todos os estágios!!!
“Santa enrascada, Batman!”, diria Robin. Se estiver certo, e a tecnologia for a Nêmesis, nossa inimiga íntima, o que devemos fazer, mago das ACs mitológicas? Será a tecnologia uma versão moderna da Caixa de Pandora? Relembrando o mito: “A Caixa de Pandora é um objeto extraordinário que faz parte da mitologia grega. Trata-se de um caixa onde os deuses colocaram todas as desgraças do mundo, entre as quais a guerra, a discórdia, as doenças do corpo e da alma. Contudo, nela havia um único dom: a esperança”. Por incrível que pareça, foi a analogia mais fiel que consegui encontrar.
Acredito que o excesso de recompensa imaterial, sem propósito e merecimento, que a humanidade está deliberadamente dando a si mesma - por ter aberto a Caixa Tecnológica -, está promovendo uma geração de dependentes. Não falo apenas dos mais jovens, mas de qualquer pessoa que a tenha abraçado sem parcimônia. Hoje em dia, em qualquer reunião, é impossível para qualquer dos presentes não olhar para o smartphone. No trânsito, idem: observo, espantado, muitas pessoas digitando enquanto dirigem. Não é mais exceção. Nas aulas ibidem. Não é à toa que nosso QI esteja diminuindo!. E o que fazer então?
Remediando…
Dizem que o veneno e o remédio dividem muitas vezes o mesmo frasco, sendo diferenciados pela dose. Se bem trabalhada, podemos encontrar bem lá no fundo a solução, da mesma forma que a esperança estava guardada no mito grego. Os recentes estouros de bolha, o desinteresse pelos estudos, aumento do stress por excesso de informação e “plugamento” contínuo na rede, que geram uma necessidade de decidir e responder rápido, não importa se certo ou errado, têm nos mostrado que o mundo está, pelo menos há uma década, cada vez mais dependente da tecnologia e, infelizmente, excessivamente dependente de seus efeitos colaterais, que surgiram na forma de elementos virtuais, sejam criptomoedas, NFTs, realidades virtuais, IA, imagens irreais (Instagram), fofocas (Facebook/Meta), fake-tudo (Whatsapp), rancores (Twitter), vídeos engraçadinhos vazios (Tik-Tok, Youtube…) e por aí vai. Claro que também trafegam coisas importantes nesses apps que citei, mas temos que encontrar a dose tecnológica correta, pois estamos muito adoecidos. Não sou especialista e sei que há um conjunto de fatores que poderiam explicar melhor os estágios citados, mas tenho a impressão que a pandemia, à qual muitos atribuem um encurtamento da transformação digital do Mercado por pelo menos 5 anos, desequilibrou o nível de ingestão tecnológica com que estávamos acostumados. Por não estarmos preparados, a dose está provocando envenenamento. Pare e reflita.
Finalizando…
Esta AC fugiu um pouco do convencional. Ela é, na verdade, uma tentativa de explicar para mim mesmo duas coisas: a depressão que sinto nos corredores da universidade e um sonho recorrente, que me coloca num lugar em que o sinal de rede não mais existe. Você se sente assim, ou estou divagando sozinho?
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