Assim como muitos assinantes da plataforma Neofeed, recebi em 26 do corrente a newsletter Unicórnios brasileiros e o desempenho do País em inovação. A chamada, de autoria de Cândida Oliveira e Gianna Sagazio, ambas da Confederação Nacional da Indústria (CNI), começava com a indagação: “O número de startups bilionárias não para de crescer no Brasil. Mas o País segue mal posicionado em rankings de inovação. O que explica essa aparente contradição?”
O que me chamou a atenção neste texto da Neofeed, dentre tantos outros bons que lá são publicados, foi a velha, e já costumeira, controversa falta em tomadas de decisão e suas consequentes ações, por parte de quem está no Mercado, no tocante à condução da inovação brasileira: à medida que descemos, por incrível que pareça, opta-se por descer mais ainda. Irônico, se não fosse apenas mais uma verdade.
Deixei explícito no artigo Formação universal em xeque, no qual questiono o papel do ensino superior e o preparo para a vida pós sala de aula, que não mais “bateria” em nossa claudicante educação. Certo de que as referidas autoras não leram meus escritos, pois teriam me citado, tomarei estas conhecedoras de inovação por porta-voz, a fim de manter minha palavra. Não criticarei, portanto, os entes convencionais que fornecem instrução. Dirigir-me-ei ao pessoal do Mercado, já que são estes os mais prejudicados.
Do artigo da Neofeed
Alguns dos trechos de Cândida Oliveira e Gianna Sagazio:
“Em que pese o desempenho mais favorável, fica claro que o País não contou com mudanças substantivas em diversos aspectos relevantes. Entre as maiores fraquezas identificadas nos indicadores do País e suas respectivas posições no conjunto de 132 países, destacam-se: facilidade para abrir uma empresa (106º colocado); escalas do PISA em leitura, matemática e ciências (68º colocado); graduados em ciência e engenharia (83º colocado); mobilidade de estudantes do ensino superior (104º colocado); formação bruta de capital (116º colocado); facilidade de obtenção de crédito (94º colocado); taxa tarifária aplicada, média ponderada (102º colocado); e acordos de empreendimentos conjuntos/alianças estratégicas (89º colocado). (...) O ambiente de negócios, portanto, segue pouco amigável e os indicadores educacionais continuam atestando as fragilidades no ensino básico e na graduação em STEM (sigla em inglês para Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática). O investimento em pesquisa e desenvolvimento, tanto público quanto privado, sofreu recuo na comparação internacional e o País também teve piora nas receitas de exportações relacionadas à tecnologia. (...) Em síntese, o Brasil subiu no ranking, mas as fragilidades persistem. A 57ª posição ainda é baixa e incompatível com a sofisticação do setor empresarial brasileiro, além de estarmos 10 posições abaixo da colocação obtida em 2011. (...) Problemas relacionados à educação (em todos os níveis), infraestrutura, financiamento e regulação precisam ser devidamente endereçados até para que o crescimento de negócios de base tecnológica seja sustentado ao longo dos anos, e para que seus efeitos positivos sejam sentidos além do eixo Sul-Sudeste. (...) Nessa linha, entender os papéis dos diversos atores de um ecossistema de inovação – governo federal e local, universidades, escolas, centros de pesquisa públicos e privados, empresas de todos os portes, plataformas para startups, fundos de investimento – e construir bases para que todos performem em nível de excelência é fundamental para que os resultados da inovação sejam convertidos em maior competitividade, de forma consistente. (...) Não por acaso, Estados Unidos e China, países que localizam a ciência, tecnologia e inovação no centro de suas estratégias de desenvolvimento, são o berço do maior número de unicórnios do mundo.”.
O apagão tecnológico: “quanto maior o burro, maior a carga!”
Termo muito em voga no ambiente universitário e corporativo, relaciona o exponencial aumento da procura por serviços de tecnologia com a relativa diminuição de profissionais disponíveis ou formados pelo e para o Mercado. Países que não investirem intensamente em soluções tecnológicas, não agregarão valor à sua cadeia produtiva e, muito em breve, torna-se-ão apenas fornecedores de commodities. Resultado, terão sua infraestrutura, assim como seu câmbio, dependentes daqueles que estiverem tecnologicamente à frente.
Pare se ter ideia do que estou falando, comparemos o preço de uma matéria-prima com um de seus beneficiados em valores atualizados. Para a data de 16/09/21, encontro no site do Valor Investe o preço da tonelada de minério de ferro próximo a US$ 100.00. Na Amazon americana, vê-se o iPhone 12 Pro por US$ 1,550.00, que pesa 0,228 Kgf. Dá pra fazer um bocado de brincadeira com estes dois pesos, mas vou pegar leve. Utilizando uma regra de três simples, tenho que 1Kgf de iPhone (uns 4 aparelhos) custam perto de US$ 6,800.00, que daria pra comprar 68 toneladas de minério de ferro. O que é mais fácil de carregar nas costas? Pois bem: isso é o que países centrados em commodities carregam todo o dia, sem falar na indústria que o iPhone cria em seu entorno e o ecossistema que ele mobiliza. É o que os economistas chamam de valor agregado.
Isto me fez lembrar um episódio da juventude, quando carregava uma montanha de livros de cálculo e meu irmão comentara, “Eita cabra sabido!”, ao passo que meu pai, também professor, observando a cena emendou: “Quanto maior o burro, maior a carga!”. Em outras palavras, muitos livros sobre o mesmo assunto, muitas informações redundantes ditas de formas diferentes, pouco tempo pra absorvê-las e exercitar o que importava, e um menor tempo ainda para aplicar o que conseguisse entender, já que a prova estava perto. O resultado de muitas informações, por incrível que pareça, era um “apagão”: coisas demais e desnecessárias para questões que, pós prova, eu veria o quão simples e já estudadas foram em sala de aula. Só precisa ter “feito o dever de casa”. E o curioso: um único livro bastaria. Já tinha a receita mas, por falta de um simples planejamento, criei meu próprio caos e mergulhei nele, em minha bolha particular, que poderia ter sido dissipada se houvesse, por exemplo, consultado colegas, observado o “Mercado”. Muitas entidades têm condições de começar a solucionar esse apagão, porém insistem em não olhar por sobre o muro. As vítimas diretas já são seus ingressos. A próxima, a Sociedade. Metáfora feita, voltemos ao nosso apagão pra sabermos o tamanho. Peguemos um trecho do artigo da Ibovespa:
“A Associação Brasileira de Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom) afirmou que o Brasil forma 46 mil profissionais da área de tecnologia todos os anos. Mas, também segundo a associação, o setor irá demandar cerca de 420 mil profissionais até 2024. Assim, se mantivermos esse ritmo, teremos um déficit de profissionais dessa área podendo chegar a 300 mil pessoas em apenas 3 anos, segundo uma pesquisa realizada pelo Brazil LAB e pela Fundação Brava.”.
E o que tudo isso aponta?
Os textos acima ratificam/vaticinam o presente/futuro que a falta de capacitação direcionada à tecnologia promove/promoverá: perda de receita nacional. Vou citar o PIB, que é o mais comum. Importamos coisas caras e exportamos coisas baratas. Como ficou claro no exemplo do iPhone acima, “damos” toneladas e pagamos por gramas beneficiados, o que promove uma grande dependência tecnológica. Isso influencia o câmbio, que conduz a inflação e faz com que as empresas e nós percamos poder aquisitivo, gerando desemprego por consequência. E o ciclo vicioso recomeça: quem fica desempregado, não tem incentivo nem condições para investir em uma nova carreira (tecnológica, de preferência), ficando cada vez mais à margem do Mercado, tendo de aceitar quaisquer ocupações de subsistência, o que eu chamo de exclusão do sistema. Em outras palavras, e já que o sistema precisa de gente, temos não só que nos preocuparmos com a inclusão, porém também com a não exclusão.
Capacidade educacional esgotada. O que fazer então?
Há quase dois anos atrás, ponderei em “Terão as empresas que se transformarem em centros de capacitação?”, sobre a postura empreendedora que também falta à galera do Mercado, mostrando cases de corporações no Brasil que já trabalham sua independência do setor educacional convencional. De lá para cá, mesmo com uma pandemia no meio, várias coisas aconteceram. Uma muito interessante, que envolve a doação de R$ 200 milhões de um banco somada à iniciativa conjunta de empresas em prol da educação tecnológica e empreendedora, inclusive com a disponibilização de bolsas integrais para mentes inquietas, foi a inauguração do Instituto de Tecnologia e Liderança (Inteli), que pretende ser o “MIT brasileiro”. Trocando em miúdos, o Mercado não tem mais pelo que aguardar. Inúmeros casos já foram validados.
Finalizando...
A tecnologia é a coisa mais perecível que conheço. A inovação, seu produto, é a mais volátil. A Sociedade depende do Mercado, que só se manterá sustentável se a inovação for uma constante, obrigando um aprendizado contínuo por todos, o que pode ser iniciado em escolas convencionais, mas não concluído, pois terá de ser pra sempre. Logo, se a dor causada pela falta de capacitação tecnológica é sentida primeiramente pelo Mercado, que este “tome as rédeas de sua vida” e seja protagonista desse filme. Pois, perante nós mesmos – e o mundo, temos que, pelo menos, parecermos um risco a ser considerado, e não aprendizes estagnados sabor commodity, carregando um bocado de cálculo (pedras) ao invés de apetrechos tecnológicos mais interessantes. Costumo dizer que se você não vai de encontro ao problema, ele vem ao seu. Nesse aspecto, talvez a resposta à contradição levantada pelas moças seja a inércia por parte das empresas.
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