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O paradigma do cliente e a evolução de João


João é um exímio marceneiro. Tem habilidades que conferem a ele a capacidade de fazer qualquer peça imaginada pela mente humana, utilizando qualquer material que possa ser moldável, não apenas a madeira… tamanho, função que exercerá etc., são apenas detalhes para João. Estuda as formas, planeja pelo desenho cada peça a ser extraída da madeira - na verdade, obras de arte -, especula sobre tipos, cores, texturas do material que vai utilizar; faz pequenos protótipos e, quando finalmente se dá por satisfeito, coordena a execução de sua peça (projetos) até que saia como deseja, com a mão de um ferreiro. Foi mal o trocadilho. Pode-se dizer que esse ritual pétreo e lígneo (relativo à madeira) de João bate, ipsi literis, com o método científico, e a gestão de todo esse processo como uma orientação de pupilos. Sua condução é tão meticulosa, previsível, inflexível e acertada que, na região onde exerce seu ofício e além-mar, o vocativo que precede seu nome já está a ele integrado: Mestre João.


Sua fama atrai há décadas aprendizes ávidos por absorverem as “técnicas do Mestre João”, o que chegou a manter filas de espera de mais de um ano. Os parentes encorajam a juventude (meninas e meninos com pouca idade, principalmente) a absorverem as técnicas lá desenvolvidas como se fosse um rito de passagem da fase juvenil à profissional. “Minha rebenta ‘tirou o ofício’ no atelier do Mestre João”, diz um pai orgulhoso. “Meu sobrinho abriu sua própria escolinha depois que passou por lá”, diz uma tia sem caber em si, mostrando todos os dentes a uma vizinha incrédula, mas que não conseguia esconder uma pontinha de inveja. Reconhecimento ao profissionalismo e dotes do Mestre João não faltam. A mais alta comenda recebida da Prefeitura fala por ele.


Na AC de hoje, utilizarei esta não-metáfora para explicar como vêm se comportando muitas de nossas corporações à medida que o inverso do conceito “cliente” torna-se paradigma, e a necessidade de se promover uma reversão à origem. A ressignificação equivocada desse conceito que mantém o Mercado pode, por consequência, acelerar a morte de muitas organizações que não se percebem caindo nessa armadilha.


Idiossincrasias


Entretanto, nada é perfeito! Todo gênio, digamos assim, tem peculiaridades, idiossincrasias que os tornam ainda mais curiosos. E João não é exceção. Mesmo sendo um dos maiores artífices em madeira de seu tempo, ele só faz cômodas de madeira, e seu sustento vem exclusivamente de seu atelier-fábrica. Não adianta o cliente implorar, pagar, invocar indecorosamente sua já falecida progenitora, praguejar por outras peças, por diferentes tipos de material. Mesmo sabendo que suas técnicas poderiam ser aplicadas ao barro, ferro, bronze, plástico, cimento, grafeno etc., e que João teria condições de implementar de um graveto a um trem, ele não cede. A decisão monotônica é tamanha que o único requisito para entrar no atelier é o de aceitar ser guiado na fabulosa arte de fazer cômodas de madeira. Não há contra-acordos. Ou isso ou procure o atelier do outro lado da rua.


Cliente, um conceito constantemente atualizado!


Precisamos falar minimamente de dois conceitos. O trecho do livro “Clientes por todos os lados” de Márcio A. Silva define o cliente como “alguém que necessita de minha ajuda e de minha equipe para satisfazer suas necessidades. Sempre falo para minha equipe que toda a pessoa que entra em contato conosco a fim de comprar, pesquisar ou mesmo reclamar, é e deve ser tratada como um cliente em potencial, alguém muito importante para a sobrevivência de nossa empresa e de todos nós. Pois é o cliente quem paga as nossas contas, os nossos salários ou pró-labores. Sem o cliente a empresa se assemelha a um corpo sem alma”.


A outra definição versa sobre sucesso do cliente: “filosofia, departamento ou profissional que permite que o cliente alcance os resultados desejados por meio das interações que tem com a empresa”.


Vemos então dois conceitos interessantes e interdependentes: satisfação e interação. Ambas, por incrível que pareça, são bilaterais: para esse processo interativo permanecer iterativo (de ciclo perene), tanto quem produz como quem consome (serviço ou produto) tem de estar satisfeito. Olhem bem para o atelier-fábrica e para a postura do Mestre João e responda na xinxa: existe uma simetria no relacionamento dele com seus potenciais clientes?


Quem é o cliente, afinal?


Agora você começou a pensar na chamada, na não-metáfora e o que eu quis dizer com “paradigma”. Quem, na opinião de vocês, é o cliente de fato? Já vou respondendo: nosso artífice, o Mestre João! Tem seus “caprichos” satisfeitos, utiliza a mão-de-obra de seus pupilos para refinar suas peças e só aceita aqueles que coadunam com seus pensamentos: “Ou isso ou procure o atelier do outro lado da rua”. Temos o intrigante e, infelizmente, introjetado processo no qual o dono da fábrica é o principal ou, algumas vezes, único cliente… Vocês já viram isso acontecer em algum lugar?


Nutrindo a concorrência


A recusa do Mestre João por projetos que não envolvessem madeira ou cômodas começou a fomentar um “mercado paralelo”. Aquele sobrinho da vizinha falado lá atrás, o aprendiz Enzo (acho que é um nome da moda?!), por não ter a mesma fama de seu orientador (ops, quis dizer mestre marceneiro), tinha que “se virar nos 30”, e por isso aceitava qualquer tipo de encomenda. Tendo sido iniciado por João em todas as artes, havia rompido com este por discordar do desperdício de conhecimento abundante, enclausurado, contraditória e inexplicavelmente aplicado de forma repetitiva, não só desenvolvia outras peças como também criava coisas misturando aqueles materiais. Por este e outros motivos, sua escolinha ficou conhecida como Atelier do Moderninho, contrapondo-se ao de João, agora conhecido como Atelier Antigo! Coisas de vilarejo.


A big picture


Em um determinado momento, um amigo em comum percebeu um afluxo crescente de clientes no Moderninho e uma redução proporcional no Antigo. Começou por conta própria a estudar a big picture. No Antigo, apesar de seu CEO ser um cara tarimbado, o “cliente” não escolhe. Todos que se curvam àquela cultura têm de fazer o que manda o boss, que não tem seus processos (e pensamentos) desafiados e, por consequência, aprende muito pouco. Ele não se contextualiza adequadamente. Já no Moderninho, cada cliente traz seu próprio desafio, é ouvido por Enzo, “co-pensam”, “co-desenvolvem”, cocriam e saem ambos felizes: clientes, cujos projetos de peças originais foram, inclusive, modificados ao longo das co-discussões, e Enzo, cujas ideias iam cada vez mais sofrendo ampliação dada a quantidade de interações e iterações. Dizia ele: “cada cliente que vem deixa aqui ideias para muitas peças novas”. Christensen, o estudioso, vaticinou: O Antigo, cujos processos estão pautados na repetição, está com seus dias contados, pois não quer se adequar ao novo mundo. O Moderninho, que não tem barreiras para promover a destruição criativa de seus processos, trata o cliente como um parceiro e entrega valor a este pela promoção da inovação, está promovendo uma competição silenciosa e contundente, capaz de extinguir o Antigo, a menos que este altere sua cultura. O irônico de tudo isto: um é spin-off do outro!


Quebrando o paradigma e evoluindo


Christensen convenceu Enzo - não sem muito fight - a ter com seu antigo mestre: “Cara, João é duro mas é um expert. Além disso, um negócio fechado é um gerador de recursos a menos na economia do município. Só coisa ruim: um excelente profissional, e mentor, e uma academia a menos. Pense nisso!”.


Intermediado por Chris, Enzo e João se entenderam. O meeting ficou conhecido como o encontro da arte com a inovação, nome que foi atribuído à junção dos ateliers. Hoje, Enzo recebe os clientes, João participa (às vezes de cara feia) e os três pares de mãos constroem peças nunca antes vistas. João ainda “briga” muito com Enzo. Nesses momentos, ambos ficam com a cara feia mas, ao se virarem, sempre seguram sorrisos. Semana que vem viajarão para abrir o 7º Atelier Arte com a Inovação, cujo lema é: “Esculpimos qualquer peça funcional em qualquer material”. Pois é, a feitura de peças nas mãos do Mestre e sob o olhar contextualizado do ex-pupilo atingiu um outro grau de evolução.


Quebrando…


Se queremos evoluir, um dos muitos apelidos para inovação, precisaremos quebrar vários paradigmas, sendo o maior deles esse anti-conceito que está se configurando sobre cliente. O outro é a junção do moderno com o antigo, com o aproveitamento das melhores práticas. Na academia e nas corporações (públicas e privadas) encontramos muito Joões. Fora delas, uma infinidade de Enzos e Enzas, oxigenados, com nada a perder e que precisam ser vistos e ouvidos. Ignorá-los acelerará a extinção do Antigo. Não é uma metáfora. A evolução mostra que o Moderninho sempre vence.


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