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Foto do escritorGláucio Bezerra Brandão

Ciência empreendedora


No final de 2014, a CAPES permitiu que inaugurássemos o Mestrado Profissional em Ciência Tecnologia e Inovação da UFRN. O chamo de MPI. “Primeirão” nessa linha em instituição pública (e talvez privada) no Brasil, foi desenhado pela professora Zulmara de Carvalho e colaboradores. Pertencendo a este elenco, consegui incluir algumas “péssimas” contribuições (hehehe). Começou a rodar em 2015, e não se sabe ao certo porquê, sob minha coordenação. Sendo “diferentão”, o MPI iniciou uma jornada “sem pareia” dentro da Academia, construindo caminhos que serviram de modelo para outros muitos mestrados e doutorados Brasil afora. Não se tratou de uma caminhada linear, mas em formato de cosseno: altos e baixos. Isto porque, e por incrível que pareça, a diferença à qual me referi mora em único termo de seu vocativo, ainda pouco compreendido pela universidade brasileira. Essa palavra, indicativo de que qualquer solução nascida no MPI tem de ser sentida pela Sociedade e Mercado de forma real, imediata e simultânea, atende pelo nome de Inovação! A Sociedade tem de percebê-la como uma melhoria em alguma condição humana. O Mercado como impacto financeiro. Este fato também explica o motivo de o MPI estar fortemente ancorado na incubadora inPACTA, que une estes dois aspectos fundamentais de sustentabilidade.


Do início do MPI aos dias de hoje, mais de 60 dissertações geraram soluções que estão respirando e andando por conta própria no Mercado, que podem ser vistas na forma de projetos aplicados à indústria ou na forma de startups. É importante frisar que o link para estas AC(aulas condensadas) têm entre dois e três anos. Outras coisas aconteceram. Mas o que esta estorinha quer nos mostrar?


O alvorecer de uma nova ciência?


Todo este trabalho árduo, aplicado, responsivo e dedicado, executado por nossos integrantes (docentes, discentes do MPI e graduandos da área de Negócios Tecnológicos) ao longo de mais de sete anos, inaugurou uma cultura que fez surgir, por exemplo, jargões próprios no ecossistema empreendedor, como Chief Innovation Officer - ou CInO, nosso egresso do curso -, e suscitou o nascer de conceitos ainda mais polêmicos, onde pudéssemos abarcar um novo, denso e próprio referencial teórico, associado a um perfil de formando inédito. Precisávamos modelar o que entendíamos como sendo um conjunto de fenômenos e ações diferentes do que era até então utilizado. E assim, tacitamente, nasceu a Ciência Empreendedora! Pelo menos pra gente. Pense aí: se inovação já não é a menina dos olhos da Academia, imaginem “usurpar” sua “ciência” e emprestá-la a quem quer jogá-la no Mercado? Uma heresia científica! Vejamos se há uma saída diplomática.


A centelha e a proposta


Tendo participado de quase metade das bancas, fui muitas vezes questionado - inclusive em minha última (02/09/21) - sobre a fragilidade do jargão. Quando o termo vem à tona, pessoas recém apresentadas ao MPI entendem que a ciência (convencional) já está bem estabelecida, que circula na faixa básica-aplicada, e que uma ciência Empreendedora - aquela com modelo de negócio intrínseco -, pertence ao extremo “aplicada” e, como tal, deveria ser tratada como uma variação apenas, não uma nova modalidade. Esse último reggae fez acionar meus dois únicos neurônios funcionais, Popper e Feynman, e uma centelha pululou: “Será que a aversão da Academia à dupla forasteira ciência empreendedora se dá pela falta de um consenso, o qual poderia ser derivado de um conceito formal ainda inexistente?”.


Então resolvi inovar! Seguindo o conselho de Steve Jobs, “você deve contratar pessoas inteligentes para te dizer o que fazer, e não o contrário”, “contratei” nossos alunos da área de Negócios Tecnológicos (graduandos e pós-graduandos) para a seguinte missão: “Elaborem um conceito para Ciência Empreendedora”. A ideia era que essa galera oxigenada incrementasse minha visão sobre o tema e me ajudasse a aprimorá-lo. Vejam o resultado abaixo.


Transposição bruta, por ordem de chegada em meu e-mail!


"Capacidade de equacionar a subjetividade de empreender, reduzindo o risco do fracasso e perda de recursos enquanto se eleva a possibilidade de ganho e sucesso empreendedor". (Mona Nóbrega Lira)


“Sistema de adquirir conhecimento através de ideias colocadas à prova”. (Matheus Dantas)


“Conhecimento criado através da aplicação de uma situação problema a procedimentos que geram como resultado uma proposta de valor, seja ela, baseada em novos produtos, serviços ou processos”. (Rodrigo Taveira)


“(...) O empreendedorismo pode se beneficiar do método científico em suas etapas básicas e adaptá-lo: observação (no nosso caso, vislumbramos uma oportunidade), formulação de hipóteses (lê-se ideias), experimentação (que pode ser um levantamento de dados para avaliar a possível aderência entre potenciais clientes) e conclusão (pagariam por esse produto ou serviço?)”. (Thamires Vieira)


“Uma ciência empreendedora ajudaria nas evoluções de novas startups e aumentando sua taxa de sucesso com base em pesquisas de campo e por referências de outras startups ou empresas que terminaram indo à falência” (Daniel Sena)


“É uma convergência transformadora entre ciência e inovação”. (Nayara Galvão)


“(...) Está diretamente ligada ao conceito de buscar novas ideias e soluções inovadoras no ato de estudar necessidades e analisar mercado e pessoas. (...) sede de descobrir e analisar, com a sede de inovar e entregar resultados que só um empreendedor pode oferecer”. (Ilayzi Farias)


“Processos advindos de métodos científicos, que culminem em resultantes empreendedoras, como por exemplo, inovações, Startups, ou seja, toda ciência que influencia na criação, transformação e mudança dos métodos para obtenção de variáveis de transmutação no mercado”. (Matheus Costa)


“Aplicação do método científico ao empreendedorismo, retirando a subjetividade e gerando os insumos necessários para identificar as melhores oportunidades e as formas mais eficientes de solucionar determinada situação”. (Bryan Oliveira)


“Processo para geração de soluções comerciais ou sociais a partir de métodos científicos”. (Euriam)


“Ciência voltada para gerar novas soluções a partir de recursos existentes, sendo assim um fator que interage diretamente com sociedade e suas necessidades”. (Baggio & Baggio, apud Maria Eduarda).


“Pode ser compreendida como o desenvolvimento de inovações, por meio da ciência, que transbordam no mercado e fomentam a conexões ainda mais próximas entre instituições científicas e empresas no intuito de beneficiar a sociedade”. (Larisse Carvalho)


“É aquela que pode gerar, de alguma forma, um empreendimento (...)”. (José Lindolfo Jr.)


Esse pessoal sabe o que diz. Estou lidando com profissionais! Vamos ver como este professor sobrevive a estes conceitos “top das galáxias”.


Conceito convencional da ciência


Sendo também professor da cátedra Metodologia Científica e Tecnológica, poderia torrar a paciência de vocês com inúmeros conceitos epistemológicos sobre o método científico. Não fá-lo-ei, pois a Wikipedia o fez. O foco desta AC está no que entendo ser a hibridização entre ciência e empreendedorismo, com intuito de mostrar que cabe uma definição própria, não apenas um “puxadinho”. Para a conceituação formal, “subirei em ombros de gigantes” de modo a não precisar esmiuçar o que os mestres Bacon, Descartes, Newton, Feynman, Galileu, Popper e vários iluminados fizeram. Pra não passar batido, gosto de resumir o método científico em cinco verbos: observar, hipotetizar, experimentar, falsear e generalizar, todos aplicáveis às startups, como escrevi em Startups: um evento científico. Vamos a GBB San’s interpretation on entrepreneurship science.


Um diagrama para esclarecer


Desenhar é imprescindível. Para mim, trata-se da aurora de um protótipo! Costumo dizer que se não consigo desenhar algo, não possuo domínio sobre ele. Então bolei um diagrama para explicar a ciência do empreendedorismo. Como se sabe, a ciência herdou seu nome do método científico, a bola vermelha no diagrama. Este método repousa, pelo menos, nas cinco palavras que citei. Se acrescentarmos uma pitada de criatividade e um recheio de ideias, sendo tudo favorável, eureka!, nasce uma invenção. Se ela pode ser técnica e sistemicamente trabalhada, dá origem a processos tecnológicos, ou simplesmente tecnologia. Apresentada à Sociedade e sendo bem recebida pelos problemas que resolve, ganha o status de útil e é batizada como solução. Passa então à última fase: massificação. A única forma de fazer isso é pela criação de processos que sejam capazes de reproduzi-la em larga escala, de modo que seu custo marginal seja reduzido à medida em que a demanda aumente, tornando-se cada vez mais acessível a camadas economicamente vulneráveis da sociedade. O Mercado é o único sujeito capaz de massificar, por meio de sua cadeia de produção e distribuição, e transformar uma solução aprovada pela Sociedade numa inovação. Portanto, só quem pode dar o título de inovação a uma solução é o Mercado. Ninguém mais, o que vai além da ciência convencional.

Diagrama da ciência do empreendedorismo:

para cada fase, uma ciência própria


Os processos a, b, c, d respeitam a tríade lean (construir-medir-aprender), o design thinking (convergência e divergência) e a máxima “errar rápido e barato para aprender cedo”. Atuam misturando cada uma das fases. Esses processos de interface são os responsáveis pela promoção dos riscos e pivotagens (mudanças de rota, caso necessário) no escopo de cada fase.


Ciência empreendedora


Tentarei colar todas as hipóteses dos jovens cientistas-empreendedores às minhas conjecturas, sem deixar uma única de fora, pois todas contemplam o que penso.


Percurso CE (1-2-3-4). Começa pela associação do método científico a um modelo de negócio, guiado por algum problema real e externo (da Sociedade/Mercado). À medida que essa associação avança para as demais etapas (invenção-tecnologia-utilidade) e termina por ser empregada em lacunas do Mercado, transforma-se em Inovação. Como foi concebida especificamente por uma ciência orientada ao Mercado, está-se diante de uma ciência empreendedora, algo como innovation-driven science ou ciência “puxada” pela Inovação. Este percurso gera cientistas-empreendedores.


Percurso EC (4-3-2-1). O Mercado sente a necessidade de inovar ou aprimorar algo. Busca por soluções na Sociedade que, por estar próxima a ele, pode não tê-las. Empreendedores percebem então que precisam utilizar, ou criar, outras tecnologias. Se não der resultado, buscam por invenções. Não tendo êxito, um novo processo científico precisa ser desenhado. A demanda do Mercado forçou a geração de ciência, levando a um percurso contrário ao anterior. Estamos diante do empreendedorismo científico. Este percurso gera empreendedores-cientistas.

Ambos os percursos podem acontecer em qualquer lugar, assim como podem ser feitos por qualquer pessoa, começar ou terminar em qualquer fase. Não dependem nem de centros de pesquisa nem de grandes empresas, mas da seriedade com a qual se percorre. Não precisamos ser cientista ou empresário. Se o método científico é cumprido à risca, produz-se ciência. Se o percurso culminou com a aprovação do Mercado, fez-se inovação. Para ambos sentidos, um detalhe: precisa-se usar o empreendedorismo.


De tudo o que foi exposto, se eu precisasse apresentar o conceito de ciência empreendedora em um pitch, usaria a loglineTrata-se do uso de processos científicos guiados por modelos de negócios validáveis no Mercado”. Então, enquanto a ciência convencional é validável via experimentos, a ciência empreendedora tem de ir além e precisa ser confirmada em nota fiscal. Sem esse indicador, é alguma ciência que parou antes da fase azul do diagrama.


Finalizando...


“Pensemos o Empreendedorismo de forma científica e a Ciência de forma empreendedora!”


Esculpi esta frase e a uso por assinatura de e-mail há mais de uma década. Já foi até tema de abertura de congresso. Ela é meu Norte profissional. Talvez agora eu passe a entendê-la com maior profundidade, a ponto de poder explicá-la.


Deixo aqui meu profundo agradecimento aos jovens cientistas-empreendedores (ou empreendedores-cientistas) por suas belas contribuições. Sem elas, este teria sido apenas um chato e enviesado monólogo.


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